torsdag, desember 30

ovodepáscoasóparacontrariar:os meus esforços para almejar a coerência têm tido, sistematicamente, a concorrência da configuração pollockiana da minha mente. [ não era suposto eu ter reaberto um blogue em balanço de fim-de -ano. ]

so what? vou querer atar com nuvens o céu?

estarei mais só , mais perfeitamemente distinta entre todas as sombras. estarei no cais, na palavra que te encontra, estarei onde estão todos os amantes e no livro que acabas de fechar. pertenço a todos os lugares que habito e abandono.
última cena: ela embarca para praga.não: o filme começa aqui.

the big sleep



VIVIAN


And I don't like your manners.



MARLOWE


And I'm not crazy about yours. I didn't ask to see you. I don't mind if you don't like my manners. I don't like 'em myself. They're pretty bad. I grieve over them on long winter evenings. I don't mind you ritzing me or drinking your lunch out of a bottle. But don't waste your time trying to cross-examine me.


auto- heterobiografias sob a forma de refrão


What I am to you is not real

What I am to you you do not need
What I am to you is not what you mean to me
You give me miles and miles of mountains
And I'll ask for the sea

Damien Rice:Volcano *

tirsdag, desember 28

p.s :( à sofia e estela por esta noite, a elas e a todos por todos os dias) futuro é os meus amigos dizerem até amanhã.

mandag, desember 27


periclitam os grilos: este blogue está encerrado para balanço, não até às calendas gregas, mas pelo menos até às primícias de janus .
os meus desejos seguem com córtazar:



Happy New Year


Mira, no pido mucho,
solamente tu mano, tenerla
como un sapito que duerme así contento.
Necesito esa puerta que me dabas
para entrar a tu mundo, ese trocito
de azúcar verde, de redondo alegre.
¿No me prestás tu mano en esta noche
de fìn de año de lechuzas roncas?
No puedes, por razones técnicas.
Entonces la tramo en el aire, urdiendo cada dedo,
el durazno sedoso de la palma
y el dorso, ese país de azules árboles.
Asì la tomo y la sostengo,
como si de ello dependiera
muchísimo del mundo,
la sucesión de las cuatro estaciones,
el canto de los gallos, el amor de los hombres.
...............................................

Look, I don't ask much,
just your hand, to hold it
like a little frog who'd sleep there happily.
I need that door you gave me
for coming into your world, that little chunk
of green sugar, of a lucky ring.
Can't you just spare me your hand tonight
at the end of a year of hoarse-voiced owls?
You can't, for technical reasons. So
I weave it in the air, warping each finger,
the silky peach of the palm
and the back, that country of blue trees.
That's how I take it and hold it, as
if so much of the world
depended on it,
the succession of the four seasons,
the crowing of the roosters, the love of human beings.

Julio Cortázar, translation by Stephen Kessler



lørdag, desember 25



the big sleep

USA 1946
Howard Hawks



[After a kiss.]
Vivian: I liked that. I'd like more.




Vivian: Why did you have to go on?
Marlowe: Too many people told me to stop.



Philip Marlowe: How'd you happen to pick out this place?
Vivian: Maybe I wanted to hold your hand.
Philip Marlowe: Oh, that can be arranged.
There I was in uniform
Looking at the art teacher
I was just a girl then;
Never have I loved since then

He was not that much older than I was
He had taken our class to the Metropolitan Museum
He asked us what our favorite work of art was,
But never could I tell it was him
Oh, I wish I could tell him --
Oh, I wish I could have told him

I looked at the Rubens and Rembrandts
I liked the John Singer Sargents
He told me he liked Turner
Never have I turned since then
No, never have I turned to any other man

All this having been said,
I married an executive company head
All this having been done, a Turner - I own one
Here I am in this uniformish, pant-suit sort of thing,
Thinking of the art teacher
I was just a girl then;
Never have I loved since then
No, never have I loved any other man

música do dia de hoje. porque tem o metropolitan museum. e uma das personagens afirma gostar de turner. e num só verso há rubens e rembrandt. e tem uma fina ironia e uma quase imperceptível melancolia. e é do rufus wainwright. pode querer-se algo mais?



obrigada, sir isaac newton

fredag, desember 24

celebrações



amanhã comemora-se o nascimento de Sir Isaac Newton, nascido a 25 de Dezembro de 1642 , na cidade de Woolsthorpe, Lincolnshire .

cidade de Woolsthorpe, Lincolnshirea cidade de Woolsthorpe, Lincolnshire- físico, matemático e astrônomo inglês, nasceu em 25 de dezembro de 1642 na cidade de Woolsthorpe, Lincolnshire. Estudou no Trinity College de Cambridge, onde recebeu em 1665 o título de bachare

torsdag, desember 23

* : vou adiar todos as palavras até ter apenas um não a sobrar.
as cartas ficarão arrumadas na gaveta, os telefonemas protegidos pela distância e serei tão estrangeira que ao meu rosto não dirão bom-dia os velhos amigos.


tiny text, very tiny text: se queres muito ser encontrada permanece no mesmo lugar.



depois de ter passado o verão com tori amos , a ela regressei esta noite: ainda há noites do mesmo tamanho que o encantamento.
a obsessão agora é gold dust *

(...)

how did it go so fast

you'll say
as we are looking
back
and then we'll
understand
we held gold dust
in our
hands

sights and sounds
pull me back down
another year

i was here
i was here

onsdag, desember 22

chanson pour raphael

( aos sete meses)

riu-se hoje o sol
escondido
por detrás do teu caracol
enquanto o dia brincava de marinheiro
lá longe no mar

no dia
que era só teu
petit raphael
as coisas visíveis
e sonhadas
eram todas
uma só
efeitos da audição compulsiva de elliott smith




claes oldenburg
you ´re so vicious

agora vou ter de ficar acordada até às tantas . a culpa é toda do elliott smith que me faz ter estas paixões assolapadas.
as músicas que mais gosto dele são as que têm cinema dentro. esta tem uma curta metragem , um quadro do hopper e tem o meu coração em pedacinhos a cair como neve ( e sim, vou manter esta imagem pirosérrima) .


clementine

they're waking you up to close the bar
the street's wet you can tell by the sound of the cars
the bartender's singing clementine
while he's turning around the open sign
dreadful sorry clementine
though you're still her man
it seems a long time gone
maybe the whole thing's wrong
what if she thinks so but just didn't say so?
you drank yourself into slo-mo
made an angel in the snow
anything to pass the time
and keep that song out of yr mind
oh my darling
oh my darling
oh my darling clementine
dreadful sorry clementine



tirsdag, desember 21

há palavras que têm muitos segredos. hoje, falar de qualquer outra coisa é mentira, porque não o estarei a pensar.

søndag, desember 19


it seems that it goes on forever

diz roselyn ao ver o deserto do nevada.
ale vai partir.
até já.

nevada, the leave it state





o deserto do nevada, cenário do filme « the misfits»

uma bela colecção de fotografias, directamente importadas deste site: *








lørdag, desember 18

o homem do campo

por gay ( clark gable, the misfits )

alguém pergunta ao homem do campo:

-onde fica a bomba de gasolina?
- não sei .
- e onde fica a mercearia?
-não sei .
- e o posto de saúde?
-não sei .
- o senhor não sabe muito , pois não?
- não, mas não estou perdido.
roselyn: se estiver realmente muito escuro , como é que sabes para onde ir?
gay: é só seguir a estrela mais brilhante, a estrada fica sempre por baixo .

the misfits
-és a rapariga mais triste que eu conheci .
-os homens costumam dizer que eu sou alegre...
-não , isso é só porque os fazes felizes.

the misfits, diálogo entre gay e roselyn


~~queria muito falar sobre este filme. mas ainda não o resolvi ( ensinaram-me há dias que há músicas escutadas sem cessar até serem resolvidas).~~


in motion

a admiração não nos isenta do pecado da desilusão. olho atentamente as tuas mãos abertas e quero ter muitos nomes para te chamar.
isto é demasiado próximo para fazer de conta: não encontro um único lugar onde tenha perdido tudo .
caminha mais, só agora a aprendeste que o deserto é fechar os olhos e não ter um único rosto .
manhã




love to be silly

Apple the sailor girl
She lived in a cabbage world
Along came Annie she pinched her fanny
Apple the sailor girl

Billy was an alley cat
Alone and so afraid
Along came tweety and there he stayed
Eating fish bones from the old fish tray

Billy lived happily ever after
Every single day
Billy and tweety
Love to be silly
Billy and tweety
Love to be silly
Billy billy billy so silly
Billy and tweety

cat power


fredag, desember 17

the misfits*

é um dos filmes que respiram comigo, onde quer que eu vá vou levar comigo a sua recordação. e a minha mana douda* ofereceu-mo hoje. mais 45 motivos para não sair de casa!



* de john houston , argumento de athur miller , com m.monroe , c.gable e m.clift
as minhas personagens escaparam todas, não ficou aqui nenhuma.
mentira. ficou uma e não cessa de ouvir hank williams. i´m in love with a beautiful gál ...i lost my heart in chains ....i ´m so lovesick blues ...
f.a.q




ficou tudo dito e amado: não rompas o meu útero de silêncio.
esta noite procurei o lado mais escuro e quando chegaste eu estava de partida.
vou riscar fósforos no deserto , fazer incêndios que só eu verei .
quando regressar rasgo o caderno, afio o lápis e vou inventar o sol pelos muros da cidade.

my song


atravessaremos os enganos,
os dias em que só nos apetecerá o silêncio
e a transformação das horas em mais horas
como quem pode olhar a paisagem
e nela inventar mais longe.

retorna tranquilamente à tua melodia
enquanto me afasto
silenciosa e inerte
para não apressar a morte.

amanhã atravessaremos os enganos
sobrando-nos outro dia de palavras erradas
e muitos gestos que não dizem adeus.

tirsdag, desember 14

errata

chego com as mãos vazias
dos lugares onde para sempre serei
quem já passou.
chego com a inocência de nunca ter saído

e vejo em todo o cansaço mais chão onde dormir.
amanhã escrevo outra carta e sigo.

caminhar é o meu protesto.


mandag, desember 13

paris - texas

afligem-me lugares onde nunca estive
mas para onde me apresso
com horas que só eu vejo .

não me importa a memória do dia que passa
nem as palavras a contar o já findo .
daqui a muito pouco é depois
e depois disso um imenso passado onde não temos nome.

afligem-me lugares onde nunca estive
e onde teremos para sempre
o mesmo insuficiente futuro
a fugir do que deixámos escrito.


eu não gosto , não celebro e não sei muito bem o que é o natal, mas estou sentimental porque os meus queridos amigos de sempre regressam todos este mês

obrigado à susana, à marisa , à sofia e ao francisco por voltarem sempre .
e à lídia, que sempre está. e à sónia, ao rui, à graça, à maria, estela e isabel. e a todos por me fazerem o mundo recomeçar melhor a cada abraço .

lørdag, desember 11







barbara kruger , museum of modern art, heide, melbourne, 1996

torsdag, desember 9

1957: que houvesse uma rua onde atravessassem ,numa mesma e exacta hora , todas as vozes que não me chamam, que houvesse um livro a começar para sempre na última palavra e uma árvore a engendrar chão, que houvesse como chegar quietamente aos lugares que aqui ficaram sem ti , que houvesse como me dares a tua memória das coisas e o verde com que nasci dos teus olhos, que houvesse um barco , um pássaro , uma mão a levarem-me até ti, que houvesse no mundo um mundo para te ver.
poderão estar meus sentidos assim tão emaranhados que, ao julgar sair de casa, eu estivesse já muito mais longe do que alguma vez antes estivera?
antes de querer a resposta correcta, é preciso acertar na pergunta.

onsdag, desember 8

as minhas obsessões primárias

«A literatura secundária produzida em torno de Madame Bovary é uma legião , afinal dispensável. Quase não há parágrafo do texto de Flaubert que não tenha sido alvo de comentários biográficos , estilísticos, psicanalíticos, desconstrucionistas. ( ....) Anna Karenina é , com todas as conotações da palavra, uma « revisão» de Flaubert. O fôlego e a espontaneidade de mostrar em Tolstoi as baforadas de desordem vital que irrompem por entre os blocos narrativos , veiculam uma crítica fundamental da perfeição deliberada e por vezes asfixiante de Falubert. A força das implicações religiosas em Anna Karenina torna-nos criticamente capazes de responder ao género da redução da invenção de Flaubert ( um génio já assinalado por Henry James quando fala de Emma Bovary como de uma « coisa demasiado pequena ») .


George Steiner , Presenças Reais , pag. 25



emma vibratória

fui encontrar madame bovary,
trajando lycra negra e cabedal ,
a sair de uma loja tax free,
já na sala de embarque.por sinal

foi ela quem me viu. eu não a vi ,
cheio de educação sentimental.
aproximou-se e disse:" - por aqui?"
em pose colunável.informal

e desflaubertizada, ela acendeu
com um isqueiro de ouro a cigarrilha.
oferecei-lhe um café .não quis, segura

e coleante, pois.num gesto deu
a entender que brilha e vibra e brilha
por desistir de ser literatura.


Vasco Graça Moura , Poesia 1997/2000, p.164, Quetzal Editores
1978 : só acredito em resistir mais. se falha o império e do sonho ficaram quartos vazios, só acredito em resistir mais .
não sei se a loucura é o desconhecimento de todas as limitações ou a maior lucidez é não crer em fronteiras .
podem limitar-me as horas, mas sei que enquanto houver música e promessa atravessarei países e rostos de quem nunca me despedirei .
juntei tantos pedaços de vida em cada pedaço meu, são tantos os nomes que tenho a chamar o que ainda não há , que só me sobra procurar sempre o verso mais adiante dos nossos passos .
alguém de mim ficou muito depois e é para lá que sigo .

tirsdag, desember 7

sonho em círculos



acabo de entrar no site do filme in the mood for love. curiosamente nunca tinha entrado. viva a realidade virtual! estou aos pulinhos! é um site para voyeurs de primeiríssimo quilate.


capas da banda sonora de in the mood for love













* I've heard that there's a kind of bird without legs that can only fly and fly, and sleep in the wind when it is tired. The bird only lands once in its life... that's when it dies.


*I used to think there was a kind of bird that, once born, would keep flying until death. The fact is that the bird hasn't gone anywhere. It was dead from the beginning.




Days of Being Wild , Wong Kar Wai
alguém por aí andava a queixar-se de pesadelos blabla...

então, só me ocorreu o bom velho nietzsche arrancado à sonolenta prateleira :

«O homem dotado de sensibilidade artística comporta- se para com a realidade do sonho da mesma maneira que o filósofo se comporta perante a realidade da existência . O artista examina minuciosa e cuidadosamente os sonhos porque sabe descobrir , nessas pinturas, a verdadeira interpretação da vida; com a ajuda de tais exemplos é que ele se vai exercitando a tomar contacto com a vida. Não são somente , como poderá talvez parecer , imagens agradáveis e deliciosas o que o artista descobre dentro de si e estuda com absoluta nitidez : também o severo , o sombrio , o triste, os obstáculos súbitos , as contrariedades do acaso , as expectativas angustiantes , numa palavra , a Divina Comédia da vida , com seu Inferno , tudo isso se desenvolve aos olhos seus. Não é apenas um espectáculo , porque ele vive , experimenta e sofre tais cenas ; mas nem por isso se pode libertar inteiramente da impressão fugidia que todo o visionado não é mais que aparência.»



F.Nietzche , A Origem da Tragédia , p. 37 , Guimarães Editores
d.d.r

de cepticismo.
porque que há momentos em que ele me parece escapar.


in dubio

não há concordâncias absolutas fora da gramática e apetece-me muito mais ir tropeçando em mim, e nas minhas asserções temporárias, do que desbragadamente deambular em territorialidades fechadas.
admiro muito a viabilidade das certezas alheias, mas tenho sido mais vezes uma dubitativa errática do que uma enunciadora de crenças circularmente fechadas.
sendo assim, oriento -me tendencialmente entre vazios e direcções quase sempre temporárias, porque só assim me consigo atribuir centros directórios.
pensei que teria mais rosto para me cansar
que cada passo esconderia um milagre
a que faltava trazer corpo , rosto e uma voz
e quis caminhar mais perto do que não se vê.

ao fim de alguns dias escrevi todas as cartas ,
e pude agasalhar-me das tempestades.
fiquei na casa , ouvindo as vozes mais antigas
e é aqui onde estou
que preciso ensinar-me como se veste o silêncio.


a memória não basta e a vida foi já inventada
muitas outras vezes
mas não sei que palavras sobram
para dizer que estou aqui.

søndag, desember 5

música para mulheres sonhadoras

já li assim definida a música de lhasa de sela. quem o disse partiu, algo assim como uma letra desta viajera.
ela está de volta e apetecia-me muito revê-la.



lørdag, desember 4

a minha relatividade é maior que a tua

faço muito mais , quando não tenho tempo para fazer nada.
apátrida?

nahhh, eu sou aterráquea .

soy loco por ti america

as minhas suspeitas confirmam-se: já não gosto de mojitos.
faz uns dois anos que também exclui as cubas libres do meu cardápio alcoólico. estarei a traçar um evolução espiritual?

torsdag, desember 2

porque eu não tenho frio




leonard por alan wilson, em 1979 , e um enorme alongado supiro , ou como maneiristicamente em vivo ardor tremendo estou de frio ...
the canguru conection

comprei um foie gras que afirma terminar o seu prazo de validade em outubro de 2008.
fiquei deveras apreensiva.

onsdag, desember 1



a melhor risada da noite


fotografia de alan wilson , encontrada neste site *

t
e r a p i a c r o m á t i c a
desaparecido em missão

queria muito regressar a um livro da clarice lispector. mas o livro desapareceu . não há estante, cesto de roupa, sofá,cama ou frigorífico doméstico onde ele queira comparecer.
os fantasmas aqui de casa são dados à metafísica...
profícua dislexia a minha


alexandra: viva os estados aletrados de consciência!


the canguru conection

o acaso é uma manifestação da arbitrariedade de todas as causalidades humanas. é tão desnecessário agir como não agir. a indeterminação decide pela sua inacção .acreditar no acaso é, pois , tão limitativo como acreditar no destino .
sei que portugal não é só mar, mas eu sou uma portuguesa do litoral .
deixo este poema da bela fiama para lembrar onde eu sou .



Foz do Tejo, um país

O rio não dialoga senão pela alma
de quem o olha e embebeu a sua alma
de olhares ribeirinhos no passado
ou à flor do pensamento no futuro.

É um país que fala dentro da fronte,
olhando as naus, navios, barcos pesqueiros
e o trilho das famintas aves pintoras
de riscos negros, que perseguem o odor
das redes cheias, as outrossim poéticas
familiares gaivotas. É uma costa inteira
de imagens de gaivotas dentro dos olhos.
São bocas a pensar razões da vida,
gargantas já caladas pela nascença e morte,
quando entre si se vêem ou juntas olham
o mar dos seus próprios dias. São cabeças
velhas de labutar, entre dentes cerrados,
as palavras mudas de um ofício no mar,
antigas de silêncio, como se no esófago
guardassem há muito a sabedoria de ir
enfrentar o mar, transpor o mar, estar.

Tal como um rio o mar só quer falar
pela dor e alegria de alma com que o chama,
há séculos na orla, um povo mudo,
com as palavras presas, guturais sem fôlego,
dentro de si, tão firmes no palato, articuladas
na língua interior. E o mar é quieto ou bravo,
e a alma tensa de uma paixão secreta,
escondida atrás da boca, e sempre aberta,
tal como as pálpebras diante desta água.

Só a alma sabe falar com o mar,
depois de chamar a si o Rio, no imo
de cada um, recordações, de todos
os que cumprem na linha da costa o seu destino.
O de crianças, berços nascidos à beira-mar,
aleitadas por água marinha bebida por rebanhos,
alimentadas por frutos regados pela bruma.
Mesmo quando petroleiros, se olharmos o mar,
passam sem som na glote, para nós mesmos dizemos
que o tempo já findou das caravelas outrora
e dentro do nosso sangue passa o tempo de agora.

Também as varinas, fenícias áfonas no poema
que as canta, sabem as formas, pelo olhar,
de serem mulheres com peixes à cabeça.
E os pregões que eu calo, revendo-as, eram outra
língua do mar, os nomes com que nos chamam
para o seu modo de levar entre as casas o mar.
Mas as dores não as ecoa o mar, nem mesmo
as de poetas, só as pancadas das palavras
no encéfalo parecem ser voz do mar.

É uma nação única de memórias do mar,
que não responde senão em nós. Glórias, misérias,
que guardámos por detrás do olhar lírico
e da língua, a silabar dentro da boca.
Nunca chamámos o mar nem ele nos chama
mas está-nos no palato como estigma.

Dezembro de 1997



Fiama Hasse Pais Brandão
Cena Vivas

avisos montaigne à navegação : filosofar é aprender a morrer


post-it

onde eu não estou , esperas-me e dizes o nome das coisas que vejo? se disseres que sim , acorda-me.

coisas que verdadeiramente me interessam ver respondidas:

don´t you have a word to show what may be done
have you never heard a way to find the sun
tell me all that you may know
show me what you have to show
won´t you come and say
if you know the way to blue?

nick drake , way to blue
2046, wong kar wai . «dizem que em 2046 nada acontece, mas pode ser mentira , porque ninguém de lá regressou» .
dizer que o filme me assombrou é um parco eufemismo .
fiquei até com acometimentos súbitos de me tornar súbdita da nicotina , por razões estético-cinéfilas.
e não , também não regressei de lá.



No Celeiro

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