lørdag, februar 19

ensaio para telefonema

o dia está bonito
mas é tão longe daqui que não sabes.
faz tanto tempo
não
foi há muito pouco
mas tudo era uma outra ordem
os rostos mais nítidos
os móveis noutra disposição
e as árvores ainda cheias de verde
um verde para sempre
repleto de coisas impossíveis
onde tu eras o rosto mais belo.
soube de cor os teus gestos
os olhos a começarem-te pelo lado de fora
e as mãos indefinindo o espaço ocupado
fazendo uma regra invisível da tua passagem,
no cigarro que desenhavas .

quando partiste virei o rosto muito de repente
achei que se assim fosse deixava logo de te ver.
aprendi como se diz adeus a uma casa, a um país
ao mar que te dei
na primeira manhã de um ano já muito antigo
mas não a um rosto que se amou.
o teu rosto.

agora é a tua vez
de saberes como a cidade está cansada e velha
como todos os barcos ficaram longe
e em todos os bom-dia
ficas um dia depois de mim.
a memória pode ser muito maior que as coisas vistas e acontecidas
e nos meus olhos há gestos ,passos, palavras que não tenho
tudo
a querer encontrar o caminho que farias.

do avesso da pele há um só mundo
memória, futuro ou uma fuga para sul
são uma só coisa e tudo ao mesmo tempo .
se nos ensinassem
que o mundo só é visível porque outros olhos nos olham também
estaríamos vestidos de festa
e haveria mais portas por abrir que casas vazias
mais trajectos que mapas
e muitos mais amantes na terra do que vidas cansadas.

o dia está muito bonito
o calendário assinala a data
o riso sobe ao rosto
e a voz , mesmo sem cor, mar ou abraço
vem dizendo de longe
feliz aniversário.

No Celeiro