mandag, september 13

para usos de gaveta

( não repito a esperança nem a dor.
fico anónimo e animal lembrando manhãs por chegar)


saudade
um barco de papel sobrevoando
o avesso dos olhos.


amor
pássaro sem tempo
bem menor que suas asas.


partida
um lenço cego
a cobrir o corpo de frio .


tu
sílaba atada
ao beijo da boca que te chama.


eu
ditongo fechado
a esconder a cegueira.


nós
monossílabo dual
eu e tu
mais os que trago
apertados na garganta .


ontem
caminho inventado
onde morri sorrindo .


amanhã
nasci da minha vontade
de ver o mar ser azul .


(para r.)
nome
o teu
chamo -o devagar
e ouço planetas na saliva.


sono
uma fada entrou na pele
para embalar a morte.


nascimento
ponte e animal
num só olho .


lídia
o instante dura
feito de pedaços eternos.


tropeção
o necessário
para inventar mais caminho

mulher
a natureza repete
e a morte colhe.


eu
tudo por fazer
toda feita de indecisão .

agora
pedaço de olho
a escutar a melancolia.

ouço
e nada em mim cala
o desejo de fazer irreal .

vejo
e tudo em mim apaga
a distância do teu corpo .


penso e multiplico
onde eu estou
sou sempre mais do que eu .

memória
a raiz mais metafísica
de que seremos morte.

sofia,
teus dois olhos são menores
que teu coração de mil.

automóvel
fico entro o ar que me espera
e o vidro que me fecha.

garfo
música onde a pele se arranha
debaixo de mim.

insónia
olhos amarfanhados
cheios de lençol .

hoje
telefone avariado
e ninguém debaixo do papel.

tapete
os pés são a grandiloquência
da tua servidão.


mambo( my dog)
se lesses o que te dizia
ladrarias alto para me calar.


infância
carros passavam
e o gelado sujou o vestido branco .

olhos
os meus
não os olho.

olhos
os teus
olho-os com os meus.


ro
primeira sílaba
barcos aparecem do ar
nal
e um remo no coração
do
vi que barcos do céu afundavam no mar da terra.

termino
com sabor de início
e de terra lavrada.

sapato
o que calço é o que sonho
mas piso um chão real .

manga
escondendo nos braços
a ternura endereçada.

envelope
debaixo de mim
a barriga é um verbo .

barco
como um envelope
à procura do seu endereço .

unha
pintada e doida
a rabiscar amor na tua cara.

escola
marcadores e compêndios
para sacudir a infância.

terminar
antes de seja tarde
antes que seja
depois do fim.

No Celeiro